Domingos Simões Pereira, primeiro-ministro da Guiné-Bissau, em entrevista à “Vida Económica”

A Guiné-Bissau entrou num novo ciclo político em abril e quer atrair investimento estrangeiro para o país, com Portugal à cabeça como parceiro estratégico. Para tal, traçou um plano a quatro anos e fixou o objetivo de crescer entre 7% e 10%, apostando nas “infraestruturas, nas energias limpas, no transporte marítimo, na agro-industrialização”, entre outros setores.
Em entrevista à “Vida Económica” esta semana, no Porto, à margem de um encontro com empresários, o primeiro-ministro guineense, Domingos Simões Pereira, lançou vários reptos às empresas para que avancem para a Guiné. E deixou recados a Portugal para que use a sua posição na CPLP e na União Europeia (UE) para influenciar as instâncias internacionais a favor do seu país. “Portugal tem de desempenhar o papel de principal advogado da Guiné- -Bissau dentro da UE”, diz.
Em entrevista à “Vida Económica” esta semana, no Porto, à margem de um encontro com empresários, o primeiro-ministro guineense, Domingos Simões Pereira, lançou vários reptos às empresas para que avancem para a Guiné. E deixou recados a Portugal para que use a sua posição na CPLP e na União Europeia (UE) para influenciar as instâncias internacionais a favor do seu país. “Portugal tem de desempenhar o papel de principal advogado da Guiné- -Bissau dentro da UE”, diz.
Vida Económica – Veio ao Porto para captar investimento. Quais são as grandes áreas em que as empresas portuguesas podem apostar na Guiné?
Domingos Simões Pereira – Deixe-me dizer-lhe que vemos esta missão como uma oportunidade de partilhar com os homens de negócio e da política portuguesa a nossa visão de que há uma Guiné que o mundo dos negócios não conhece. Os últimos anos foram dominados por uma certa caraterização daquilo que, em certa medida, ia acontecendo, mas que empresta um conjunto de objetivos que não corresponde à realidade. Para nós, é muito importante trazer este sentimento de que estamos a mudar e que estamos a falar de uma nova página da Guiné. Nós definimos um plano estratégico para os próximos quatro anos, através do qual queremos atingir uma determinada taxa de crescimento e gerar condições para que a criação de negócios beneficie de um ambiente favorável.
VE – Qual é a taxa de crescimento que querem atingir?
DSP – Nós visamos chegar próximo dos 10%, mas, realisticamente, colocamos os 7% como a nossa meta mais imediata [o FMI prevê que o PIB da Guiné-Bissau cresça 2,7% este ano, contra os 0,3% de 2013]. Fizemos um conjunto de opções. Para além da questão da governação, da segurança interna e da reforma da Justiça, entendemos que a prioridade para a Guiné-Bissau é a infraestruturação do país. É o investimento em infraestruturas, a questão das energias limpas, o transporte marítimo dentro da infraestruturação, a questão da agro-industrialização. A Guiné não é só um potencial, já é um produtor importante de produtos agrícolas. Agora, tem de melhorar a sua capacidade de transformação. E há aí uma oportunidade muito grande. Tudo o que existe na Guiné carece de transformação.
VE – Lançou, aliás, aqui um apelo ao intercâmbio entre famílias portuguesas e guineenses para a utilização das terras, como forma de partilhar experiências. Estão a criar incentivos à utilização da terra por parte de investidores estrangeiros?
DSP – Vamos criar esse incentivo, especificamente em relação a Portugal. Conhecendo aquilo que é a prática em Portugal, eu entendo que podíamos beneficiar muito do que é o conhecimento e a experiência que as famílias portuguesas, de forma tradicional, já conseguem fazer em termos das suas necessidades básicas. É muito curioso: quem chega à Guiné-Bissau e visita os centros rurais, o primeiro sentimento com que fica é que há tudo. E pensa ‘esta gente deve estar a nadar em recursos’. Mas depois vai confrontar-se com situações de fome, de carências, o que significa que há um défice de conhecimento da utilização dos recursos que estão ao nosso dispor. E isto não se melhora de outra forma que não seja pela partilha do conhecimento e das práticas.
VE – A UE é o principal parceiro da Guiné-Bissau. Portugal é um parceiro privilegiado?
DSP – Portugal tem de desempenhar o papel de principal advogado da Guiné-Bissau dentro da União Europeia. A CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] tem isso na sua génese, em que há países de vários continentes e realidades, cada um desses países tem o seu espaço de integração, mas, ao mesmo tempo, deve-se facilitar a entrada dos demais membros no seu espaço. E a sua presença também deve servir como uma oportunidade para os demais. Neste caso, Portugal é o único país membro da CPLP que é membro da UE, tem direitos que lhe assistem e, portanto, esperamos que possa utilizar essas prerrogativas para desenvolver uma diplomacia positiva a favor da Guiné-Bissau.
VE – Mas assumiu perante os empresários que tem havido bastantes dificuldades na utilização dos fundos comunitários disponíveis.
DSP – Sim. Eu mencionei que a Guiné-Bissau esteve suspensa do seu programa de cooperação com a União Europeia. O 10º FED (Fundo Europeu de Desenvolvimento) foi utilizado num período em que havia suspensão da cooperação, mas pensamos que há sempre outros mecanismos. Se hoje a comunidade internacional avalia positivamente aqueles que têm sido os passos da nossa governação, era bom que se encontrassem instrumentos para corrigir essa penalização que aconteceu no passado. E Portugal está bem posicionado para o fazer.
VE – Qual é o montante financeiro agora disponível no âmbito do FED da UE?
DSP – Estamos a falar do 11º FED no montante global de cerca de 107 milhões de euros para cinco anos. Mas falamos também de um montante praticamente igual que a Guiné deixou de beneficiar durante quatro anos, o que significa que as condições de concorrência ficam desequilibradas a partir do momento em que tudo o que devia ser partilhado com a Guiné ficou exclusivamente reservado aos demais países.
“Portugal, enquanto Estado, deve constituir-se como um parceiro da Guiné” “A economia guineense ainda está incipiente”, reconhece o primeiro-ministro neste exclusivo à “Vida Económica”, admitindo que “tem de haver algum acompanhamento [ao país e à economia] através de pequenos fundos que possam minimizar os riscos, através de acordos sobre dupla tributação ou para questões como o repatriamento de capitais”. Domingos Simões Pereira não esconde que a Guiné-Bissau é “um país que, neste momento, está sob a supervisão do FMI”, por causa da Iniciativa HIPC - Iniciativa Reforçada para os Países Pobres Muito Endividados, no âmbito da qual o FMI e o Banco Mundial concederam à Guiné 1,2 mil milhões de dólares em 2010 para alívio da dívida. E que, por via disso, “está obrigado a um conjunto de situações que não consegue ultrapassar”, estando, “muitas vezes, limitado na sua intenção de criar ambientes mais favoráveis aos próprios parceiros”, apesar da sua intenção reiterada de atrair investimento, nomeadamente português. Domingos Simões Pereira deixa, assim, um forte repto a Portugal e ao seu Governo: “nós queremos atrair investidores portugueses, mas Portugal, enquanto Estado, deve constituir-se como um parceiro para que, através dessa parceria, e por via de Portugal, nós possamos criar os tais incentivos aos investidores portugueses”. |